Presidente de organização social que geria hospitais foi preso em novembro, em operação da Polícia Federal
Foto: Em áudio, Humberto fala que em apenas uma viagem gastou o equivalente a dois carros zero-quilômetro.
Reprodução / Reprodução Vídeos e áudios obtidos com exclusividade pela RBS TV e revelados pelo Fantástico detalham indícios de irregularidades envolvendo o presidente do Instituto Riograndense de Desenvolvimento Social Integrado (Irdesi), Humberto Silva. Ele é suspeito de desviar recursos públicos da saúde enquanto unidades administradas pela organização enfrentavam falta de estrutura e de materiais básicos. Entre os gastos investigados estão viagens internacionais e aluguéis de apartamentos à beira-mar, com pagamentos supostamente feitos usando recursos do instituto.
A reportagem também localizou, em Porto Alegre, uma construtora aberta em nome de uma cozinheira que trabalhou para o empresário, que declarava serviços de manutenção em postos de saúde e hospitais geridos pelo instituto. No endereço que a empresa declarava como seu, há apenas casas.
No final de novembro, a Polícia Federal deflagrou uma operação para investigar supostos desvios milionários de recursos da saúde envolvendo o instituto gaúcho, responsável pela gestão de unidades no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Desde 2022, a organização teria recebido cerca de R$ 340 milhões em verbas públicas, a maior parte proveniente de contratos firmados em São Paulo.
Foram cumpridos 24 mandados de busca e apreensão no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e em São Paulo. A Polícia Federal prendeu Humberto Silva e um homem apontado como braço direito dele, cujo nome não foi divulgado. A Justiça também determinou o bloqueio de R$ 24 milhões em bens.
As imagens reunidas pela investigação mostram Humberto e a esposa, Maíne Baccin, em viagens internacionais, noivado com espumante em frente à Torre Eiffel, em Paris, cruzeiros temáticos sertanejos e estadias em apartamentos à beira-mar. Segundo a PF, as despesas teriam sido pagas com o cartão de crédito do instituto. A investigação aponta ainda que o Irdesi pagaria salários de até R$ 23 mil mensais para Maíne e para a ex-mulher de Humberto, Tássia Nunes, mesmo sem que ambas exercessem atividades.
Áudios obtidos pela Polícia Federal demonstram a vida que o casal levava, supostamente usando o dinheiro desviado. Em um deles, Humberto reclama dos custos do casamento e menciona a compra de uma bolsa:
— Daí me diz: “Tu tem que trabalhar menos”. Mas como, se tu vai lá e compra uma bolsa de R$ 30 mil?
Em outra gravação, fala em carros e gastos com viagens:
— Na arrancada (do casamento), em seis meses, me levou dois carros zero. Em um ano, duas viagens. Uma viagem custou mais dois carros zero.
Ele também ironiza os gastos com acessórios:
— Só de óculos ela (a esposa) me gastou 20 conto, só de óculos. Eu não sei em quantas cabeças ela vai colocar esses óculos. Acho que tá levando pra vender.
Segundo o delegado da Polícia Federal Anderson de Andrade Lima, o material reunido mostra que o empresário não demonstrava receio de ser responsabilizado.
— A impressão que dá, à medida que a gente analisava as provas, é de que ele realmente não tinha nenhum temor de que fosse alcançado pela Justiça, de que poderia gastar, de que o dinheiro era privado e que ele administrava da forma que quisesse, inclusive com bens particulares — afirma Lima.
Para justificar a saída dos recursos, o Irdesi declarava gastos com serviços que, segundo a Polícia Federal, nunca foram executados. Uma das empresas investigadas é a Valquíria Serviços, que receberia R$ 260 mil por mês para realizar obras de manutenção no hospital de Embu das Artes, em São Paulo.
No endereço informado em Porto Alegre, a reportagem da RBS TV encontrou apenas pequenas casas em um beco da Vila Cruzeiro do Sul. A empresa está registrada em nome de Valquíria Silva Nogueira, que foi cozinheira de uma empresa ligada a Humberto. Abordada pela reportagem, ela confirmou ser a dona da empresa, mas se recusou a responder às perguntas.
— Só falo na presença de meu advogado — afirmou, antes de uma vizinha tentar impedir a gravação.
A investigação aponta que, contrariando as normas que regem as organizações sociais, o Irdesi visa lucro. E teria até sócios ocultos. Em um dos áudios anexados ao inquérito, Humberto reclama desses parceiros por ser o único exposto:
— Eu vou sugerir um negócio. Todo mundo fala, né, lucro do Irdesi, lucro do Irdesi. Eu acho que é 100% válido, mas acho que todo sócio tem que botar o CPFzinho ali, né? Vamos começar a arriscar os seus patrimônios, arriscar tomar uma cadeia.
O Irdesi geria o Hospital de Caridade de Jaguari, na região central do RS. Na cidade, a RBS TV constatou que quem precisa de tomografia tem que recorrer a municípios próximos, e o serviço de ultrassonografia só funciona uma vez por semana.
Existem ainda relatos de cobrança por atendimentos feitos na emergência. E de falta de materiais. O pai da comerciante Beth Pinheiro, Alcides Alves Pinheiro, 85 anos, morreu durante uma crise de asma no Hospital de Caridade em 2023.
A filha afirma que faltavam medicamentos e até um espaçador, equipamento simples para auxiliar na nebulização, que custa cerca de R$ 70 em farmácias.
— Eu tive que sair para comprar. Daí eu voltei e vi uma enfermeira indo e vindo. O médico pedia a medicação, ela ia na farmácia do hospital e voltava dizendo: “Não tem, doutor” — relatou Beth.
— Vinte minutos depois, eu perdi meu pai — acrescentou.
A reportagem também localizou uma ex-funcionária da limpeza do hospital, que disse ter recebido ordens para economizar até desinfetante. Uma ex-enfermeira, que prefere não se identificar, lamentou a situação da unidade e as suspeitas de desvio:
— Era um dinheiro que tinha sido investido para a saúde, que foi roubado.
O prefeito de Jaguari, Igor Tambara (MDB), informou que o município criou um comitê de crise para gerenciar uma intervenção na unidade de saúde, e nomeou um interventor.
— O que nós mais queremos é apurar e ter a verdade total dos fatos — declarou.
Segundo o prefeito, a prioridade é reorganizar os serviços e garantir o uso correto dos recursos públicos.
— Também temos que ver o que pode melhorar e aprimorar nos serviços, tanto no atendimento quanto no cuidado com os recursos públicos — completou.
Até o momento, a Justiça determinou o bloqueio de 14 imóveis, 53 veículos, uma lancha e contas bancárias de 20 investigados. De acordo com a Polícia Federal, o prejuízo causado aos cofres públicos é estimado em pelo menos R$ 25 milhões.
— O objetivo dessas apreensões e do bloqueio de contas é justamente ressarcir o erário em relação àqueles valores que foram desviados — afirmou o delegado Anderson.
A defesa de Humberto Silva foi procurada, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
A defesa de Maíne Baccin se manifestou também por meio de nota:
“O escritório Maciel Advogados, patrocinando os interesses de Maíne Baccin, vem informar que, em razão da complexidade dos fatos, está analisando os documentos juntados ao Inquérito Policial. Ressalta-se, ainda, que o processo encontra-se em segredo de justiça, o que torna inviável qualquer manifestação neste momento.”
A defesa de Tássia Nunes enviou a seguinte nota:
“No Estado Democrático de Direito, ninguém pode ser tratado como culpado antes do devido processo legal, com contraditório, ampla defesa e decisão judicial fundamentada, devendo ser observado, com absoluto rigor, o sistema acusatório adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, que assegura a separação entre investigação, acusação e julgamento. A antecipação de juízos condenatórios viola a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana.”
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