Colombianos criam rede de agiotagem na Grande Porto Alegre - Agora Já -

Colombianos criam rede de agiotagem na Grande Porto Alegre



Estrangeiros cobram taxa de até 20% sobre valor financiado a pequenos comerciantes, que precisam devolver dinheiro em parcelas diárias a cobradores

Foto: Jonathan Heckler / Agência RBS
11 de julho de 2023

A atuação de colombianos na Região Metropolitana vai bem além do Bono a Estrela, loteria ilegal com cartelas em espanhol e sorteio ao ar livre, prática revelada na semana passada por veículos do Grupo RBS.

Os estrangeiros também estão por trás de uma rede irregular de empréstimo de dinheiro a juro para pequenos comerciantes. Nos bairros Guajuviras e Estância Velha, em Canoas, e em cidades vizinhas, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) constatou o crime de agiotagem feito às claras nas ruas principais. Pequenos cartões são entregues a pedestres e a lojistas oferecendo crédito facilitado em até seis horas, inclusive para pessoas negativadas. Basta ao interessado entrar em contato com um WhatsApp ou um número fixo, escritos no anúncio.

A reportagem recebeu os cartões em locais próximos ao ponto onde são realizados os sorteios do Bono a Estrela, entre duas lojas da avenida principal do bairro. Em um deles, a proposta é empréstimo “sem burocracia, sem fiador, sem consulta ao SPC ou Serasa, mediante pagamentos diários”. Um dos lojistas, que pediu para não ser identificado, explicou que os colombianos emprestam a partir de R$ 500, com juros de 10% a 20% com a obrigação de pagamento de parcelas diárias em um prazo máximo de quitação de 20 dias. O GDI teve acesso a cartões onde os valores oferecidos vão até os R$ 5 mil e a quitação pode ser feita entre 20 e 24 parcelas diárias. Para pedir os valores, é necessário apresentar CPF, comprovante de residência (normalmente compartilhada através da função de localização do WhatsApp) e o CNPJ da loja, além de dois números de telefone. Tudo isso porque não há qualquer registro oficial do empréstimo, e os colombianos querem garantias de pagamento.

— Eles passam para cobrar todos os dias, sempre no final da tarde — relata o funcionário de uma loja onde, segundo ele, um ex-patrão fazia empréstimos.

A cada parte paga, o valor vai sendo carimbado em um cartão até que o empréstimo esteja quitado. Apesar de poucos lojistas assumirem que fazem a retirada dos valores, todos citaram que é o serviço é bastante comum no bairro.

— Se pagar direitinho, é tranquilo — diz um comerciante.

A dona de uma loja de roupas confirma ser abordada com frequência por estrangeiros que oferecem empréstimo.

— Eles não dizem quase nada. Só entram, entregam o cartãozinho e dizem que é pra ajudar.

A reportagem conversou com um comerciante do bairro Estância Velha, também em Canoas. Ele diz que, diariamente, casais de colombianos passam na sua loja e na de outros empreendedores, oferecendo empréstimos. Em outras ocasiões, são dois estrangeiros em uma moto.

— Largam cartãozinho, oferecem dinheiro ao comércio. “Pode contar com nosso apoio, estamos aí para apoiar”, dizem. Conheço várias pessoas que pegaram. Desde 2019, eles aparecem.

O atendente de uma padaria já ouviu sobre os empréstimos.

— São os mesmos que fazem aqueles sorteios na rua — diz, referindo-se ao Bono a Estrela.

Ele complementa:

— É pagamento diário, mas só pra quem tem CNPJ.

A promotora Alessandra Moura Bastian da Cunha, coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Acolhimento às Vítimas do Ministério Público (MP), afirma que a ilegalidade é clara:

— A taxa de juro depende da análise de caso concreto. Mas 20% em 20 dias é abusivo. É o crime de usura, que nós conhecemos como agiotagem. Está previsto na legislação nos crimes contra a economia popular. Nesse caso, não tenho dúvida nenhuma, pelas taxas que estão sendo cobradas, de que temos o crime de usura — diz a promotora.

Sem entrar no mérito específico do caso dos colombianos, o delegado Thiago Albeche, da Delegacia de Defraudações da Polícia Civil, ressalta que, quando o empréstimo é feito entre particulares, a taxa de juros que pode ser cobrada é bastante baixa. E quando o empréstimo for praticado por uma pessoa jurídica, é necessária autorização das autoridades financeiras.

— Afora essas situações, quem praticar atividades de empréstimo poderá incorrer não só na Lei de Usura como em algum crime contra o Sistema Financeiro Nacional (7492/1986), a depender da situação concreta.

Segundo o economista Gabriel Melo, qualquer empréstimo deve partir de entes regularizados junto BC e que atuem de acordo com a legislação e as resoluções vigentes sobre o tema. Essa regulamentação existe, inclusive, para os empréstimos online.

A promotora Alessandra Cunha também pontua a diferença do empréstimo entre pessoas conhecidas e a ação de um grupo organizado, como é o caso dos colombianos na Grande Porto Alegre.

— Vai muito além do empréstimo feito por uma pessoa ou outra a alguém que está em fragilidade econômica. Claramente, é a ação de um grupo organizado, fazendo essa prática para um determinado tipo de público, para que possa ter maior segurança da cobrança dos valores, com localização. Não se sabe o que ocorre se não houver pagamento, de que forma essa cobrança será feita. Pode haver inclusive extorsão, dependendo da situação concreta — diz a promotora, que explica quais as possíveis consequências da ação:

— Geralmente, a prática dessa maneira, a depender da situação, pode ser classificada como organização criminosa e lavagem de dinheiro, dependendo do aprofundamento da investigação.

Fonte : GZH 
Foto : Jonathan Heckler / Agência RBS

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