Nova regra deixa credores sem prazo para receber precatórios no RS: "São 20 anos nesta luta" - Agora Já -

Nova regra deixa credores sem prazo para receber precatórios no RS: “São 20 anos nesta luta”



PEC aprovada pelo Congresso derrubou obrigação de quitação até 2029. Fazenda estadual estima que poderá liquidar passivo até 2031

Foto: Promulgada no dia 9 de setembro, medida foi articulada por prefeitos; governos estaduais pegaram carona. Lula Marques/Agência Brasil / Agência Brasil/Empresa Brasil d
13 de outubro de 2025

Celebrada por Estados e municípios como desafogo às finanças, a recém-promulgada PEC dos Precatórios ampliou a angústia de credores que aguardam para receber recursos que já foram conquistados na Justiça. A mais recente alteração na Constituição Federal eliminou a obrigação de pagamento desse tipo de dívida até o final de 2029 e permitiu que prefeituras e governos estaduais aportem menos recursos para quitar a despesa.

A regra vale para todo o país, mas tem especial repercussão no Rio Grande do Sul, unidade da federação com a maior dívida de precatórios na proporção da arrecadação. São R$ 17 bilhões, o que equivale a 3,5 vezes o investimento em saúde pública realizado no ano passado.

Promulgada no dia 9 de setembro, a Emenda Constitucional 136/2025 foi articulada pelos prefeitos para aliviar as contas dos municípios. Aproveitando a pressão dos gestores municipais, os governos estaduais pegaram carona e aderiram à nova regra de pagamento.

Além de acabar com o prazo de referência dos credores, a proposta também mudou a fórmula de correção, reduzindo os rendimentos para os mais de 62 mil precatoristas que aguardam na fila no Estado.

A projeção da Secretaria da Fazenda (Sefaz) é de que, com as novas regras, será possível quitar o passivo até 2031. Entretanto, não há nenhuma medida legal que obrigue o governo a cumprir essa projeção.

O que mudou com a PEC

Prazo de pagamento

  • Como era: precatórios em atraso deviam ser quitados até o final de 2029
  • Como ficou: não há mais prazo fixado na Constituição

Índice de correção

  • Como era: dívida era corrigida pela Selic, taxa básica de juro da economia, que atualmente está em 15% ao ano
  • Como ficou: correção será pela inflação oficial (prevista para 4,8% em 2025), acrescida de juro de 2% ao ano

Pagamento mínimo

  • Como era: Estados precisavam apresentar plano de pagamento com valores suficientes para quitar passivo até 2029. Para 2025, RS propôs aportar 5,7% da receita corrente
  • Como ficou: Estados devem aportar percentual mínimo da arrecadação, de acordo com o tamanho da dívida. Em 2026, RS terá de alocar 1,5% da receita corrente

Operações de crédito

  • Como era: Estados podiam fazer empréstimos para pagar precatórios, mas tinham de usar metade do valor para pagar a fila regular
  • Como ficou: Todo o recurso obtido poderá ser utilizado para o pagamento via acordo, que desconta de 40% da dívida

Falta de perspectiva

Evandro Alonso da Cunha / Arquivo Pessoal
Aos 83 anos, Evandro aguarda desde 2006 para receber. Evandro Alonso da Cunha / Arquivo Pessoal

Sorridentes e sob aplausos, os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, posavam satisfeitos para as câmeras na sessão solene de promulgação da PEC, no dia 9 de setembro.

A celebração e o aplauso de deputados e prefeitos eram inversamente proporcionais à apreensão que, a mais de 2 mil quilômetros dali, fustigava o servidor público aposentado Evandro Alonso da Cunha.

Aos 83 anos, o morador de Santa Maria espera desde 2006 para receber seu precatório. A dívida, que hoje é de cerca de R$ 200 mil, foi herdada da mãe, que era pensionista do Estado.

— Já são 20 anos nesta luta para receber, mas até agora nada. Quanto mais cedo, melhor receber. É legítimo, né? É nosso, era da minha mãe — lamenta o aposentado.

Recebendo cerca de R$ 4 mil mensais de aposentadoria, Evandro vive com a esposa, Ivone, e diz que o acesso ao recurso “ajudaria muito” a vida do casal.

— As coisas vão subindo e o vencimento da gente não tem aumento. Tenho problemas de saúde, muito (gasto) em remédio — relata.

Sem perspectiva de receber o valor integral, Evandro integra uma extensa lista de 45 mil credores que manifestaram interesse em fazer uma conciliação com o Estado, em edital que foi aberto entre julho e agosto deste ano. Os pagamentos referentes ao edital devem começar ainda em 2025.

Nessa modalidade, o credor pode receber o precatório à vista, desde que concorde em abrir mão de 40% do recurso ao qual tem direito.

Deságio

O acordo para receber o precatório com desconto é uma das alternativas dos precatoristas para conseguir ao menos parte do valor ao qual têm direito.

O advogado Bernardo Fava, especialista em direito público do escritório MMT Advogados, tem orientado os clientes a recorrer a essa conciliação ou, em casos de valores menores, abrir mão de parte do precatório para que ele seja transformado em Requisição de Pequeno Valor (RPV).

No caso da RPV, o valor limite é de 10 salários mínimos, e o governo é obrigado a quitar o valor integral em até 60 dias.

— Se o valor se aproxima, há opção de renunciar a uma parte do seu crédito para receber por RPV. Agora, se o valor é muito acima, a gente direciona para ver se ele tem interesse nas rodadas de acordo — descreve o advogado.

Uma terceira saída é negociar o direito ao crédito com empresas especializadas. Neste cenário, de acordo com Fava, o deságio de precatórios estaduais está em cerca de 80%.

Insatisfeita com o conteúdo da emenda constitucional, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que seus efeitos sejam suspensos. A entidade alega que a medida “fragiliza a efetividade das decisões judiciais e transforma um direito reconhecido judicialmente em um crédito simbólico”. A ação está sob relatoria do ministro Luiz Fux.

Diego Vara / Agencia RBS
62 mil precatoristas que aguardam na fila no Estado. Diego Vara / Agencia RBS

Alívio fiscal

Se tornou mais difícil a vida dos credores, a emenda constitucional que alterou regras para o pagamento de precatórios serviu de alívio às finanças do Rio Grande do Sul. Para quitar o passivo até 2029, como exigia a regra anterior, o Estado teria de desembolsar entre 5% e 6% da receita corrente líquida nos próximos anos — cerca de R$ 4 bilhões. Pelo novo critério, os pagamentos serão limitados a uma faixa entre 1,5% e 2%.

Além disso, a correção foi reduzida dos atuais 15% da Selic para um índice menor, que ficará entre 6% e 7%, a depender da variação da inflação.

Nos últimos anos, o Tesouro tem feito pagamentos recordes para tentar liquidar o passivo. Ainda assim, o estoque se mantém praticamente estável, em razão do alto índice de correção e da agilidade no lançamento de novos precatórios provocada pela digitalização dos processos.

Durante a apresentação do relatório das finanças do segundo quadrimestre, no final do mês passado, a secretária da Fazenda, Pricilla Santana, afirmou que, com as novas regras, o Estado terá condições de quitar todas as dívidas até 2031.

A previsão está ancorada na contratação de novos financiamentos, que permitirão acelerar os pagamentos pelo sistema de acordo, que prevê o abatimento de 40% do débito.

— Mantendo a lógica que temos hoje, principalmente porque o estoque não estará corrigido pelo valor descomunal que estávamos enfrentando, até 2031 a gente está zerando o estoque — projetou.

A secretária ponderou, no entanto, que essa previsão depende de algumas variáveis, como o controle da inflação do país e a efetividade dos financiamentos previstos pelo Estado.

A primeira operação de crédito para pagar precatórios, de US$ 500 milhões (R$ 2,7 bilhões, na cotação atual), contraída junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), já está em operação. Além disso, o Estado pretende firmar novo financiamento de US$ 360 milhões (R$ 1,9 bilhão) junto ao Banco Mundial.

Em paralelo, outras duas operações, de R$ 1,1 bilhão cada, estão sendo encaminhadas com instituições financeiras nacionais. Para 2026, ainda há expectativa de contrair um quinto empréstimo, de R$ 300 milhões.

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Secretaria da Fazenda projeta alívio nas finanças com novas regras. Jonathan Heckler / Agencia RBS

O que são os precatórios

Os precatórios são ordens de pagamento expedidas pelo Judiciário em ações movidas por pessoas ou empresas que já transitaram em julgado. Na maioria dos casos, envolve questões salariais, desapropriações e cobranças indevidas de impostos.

Idas e vindas

Na última década, o prazo para o pagamento dos credores de precatórios foi sucessivamente adiado, sempre pelo Congresso Nacional. Veja o histórico:

  • 2016 – emenda constitucional definiu prazo de pagamento até o final de 2020
  • 2017 – emenda constitucional estendeu o prazo novamente, para o fim de 2024
  • 2021 – emenda constitucional postergou limite novamente, para o fim de 2029
  • 2025 – emenda constitucional excluiu o prazo da Constituição, estipulando apenas aportes mínimos de acordo com o tamanho da dívida
Fonte : GZH 
Foto : Lula Marques/Agência Brasil / Agência Brasil/Empresa Brasil d

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