Com 1,2 mil gaúchos aguardando procedimento, foram realizadas 567 doações neste ano, entre os meses de janeiro e agosto
Mesmo sendo o tecido mais doado do Estado, o transplante de córnea tem a segunda maior lista de espera para procedimentos: mais de 1,2 mil gaúchos aguardavam pela cirurgia neste ano, conforme último levantamento contabilizado pela Secretaria Estadual de Saúde no mês de agosto. O procedimento está atrás apenas da fila de rim, que tem 1,3 mil em espera.
Apenar da grande demanda, o número de doações não dá conta de suprir a necessidade dos pacientes: neste ano, foram realizados 567 transplantes, entre os meses de janeiro e setembro. Com isso, a fila de espera no RS tem média de um ano e seis meses.
Entre as principais causas da demora está a pandemia, que diminuiu o número de doadores e disponibilidade de córneas, e suspendeu os procedimentos por meses. Conforme o médico oftalmologista Matheus Dallagasperina Pedro, do Hospital de Olhos de Passo Fundo, a falta de doadores e conscientização das famílias ainda é o limitador dos procedimentos
— Falta de doadores é o nosso “calcanhar de Aquiles”. Pois a córnea é um tecido avascular, que não tem vasos sanguíneos, então não considera compatibilidade, o que torna mais “fácil” a doação. Além de que, um doador doa duas córneas — afirma.
Apesar de baixo, o número de doações vem registrando aumento ao longo dos anos. No mesmo período de 2022, haviam sido 348 procedimentos, 314 em 2021 e apenas 187
Entre os tipos de transplante, totais ou parciais, o mais comum é o do tipo penetrante, que troca toda a espessura da córnea. A chance de sucesso depende de cada tipo de caso, podendo chegar a 75%, com retorno de 100%, conforme a pessoa.
Para a retirada das córneas, não é preciso ter morte encefálica, o que aumenta o número de potenciais doadores. A partir da parada dos batimentos cardíacos, a captação do tecido pode ser feita em até seis horas.
Procedimento minucioso, o transplante tem diferentes técnicas conforme a doença e necessidade do paciente. No caso da Beatriz de Oliveira Valle, 87 anos, a dificuldade de visão estava presente nos dois olhos. Com catarata no direito, ela passou por procedimento cirúrgico e conseguiu estabilizar o problema.
Foi depois desta cirurgia que veio a avaliação de que o olho esquerdo precisaria de tratamento também, e que a falência da córnea dependia de um transplante. Foram cerca de dois anos na fila de espera, até aparecer um doador.
— Eu notei que eu estava ficando cega, e realmente havia o risco de perder a visão. Eu comecei a ler e me confundir, fiquei sofrendo mesmo, não conseguia me encontrar na rua. Os médicos viram que meu caso era grave e me colocaram na fila do transplante — relembra.
O transplante foi realizado no fim de 2022, com melhora na visão de 90%, conforme avaliação do médico. Entre as vantagens, Beatriz relata a independência para trabalhar e viajar. Hoje, ela mora em Garilbaldi, e trabalha como taróloga.
— Me sentindo muito grata pela pessoa que me doou. Eu nunca pensei que fosse ficar tão bem, achei que foi um milagre. Eu tinha tudo para perder esse olho, eu estava péssima e muito triste. Agora eu consigo assistir televisão e ando na rua sem óculos. Trabalho e viajo, me sinto ótima.
Já no caso do paciente João Gabriel do Amarante, 17 anos, o problema era diferente. Mesmo jovem, a córnea direita possuía um defeito de ceratocone, que fazia com que ele tivesse dificuldade de ver nitidamente.
— No caso dele a doença estava avançada. Após o procedimento ele teve uma rejeição, mas por ser nos primeiros 30 dias depois da cirurgia, ele teve prioridade na fila e conseguimos fazer o retransplante – explica o médico oftalmologista.
Os procedimentos foram realizados entre os meses de junho e julho deste ano, após João Gabriel ficar cerca de um ano e seis meses na fila. Após o sucesso do retransplante, ele conta dos benefícios sentidos principalmente no trabalho, onde é fiscal de caixa de supermercado.
— Eu já não enxergava quase nada pelo direito. Agora é totalmente diferente, sinto muita diferença pra ler, mexer no celular, e também no trabalho, onde eu tinha muita dificuldade — avalia o jovem.